Pós This is America

Desde This is America lançada por Gambino no começo deste ano, os videoclipes que tratam de questões sociais começaram tentar em se especializar em não serem apenas "letras expondo alguns problemas" e sim como se fossem filmes enigmáticos ou visualmente impactantes.




Meio que como resposta ao trailer do Gambino, tivemos alguns meses depois Apeshit - The Cartes em que tivemos um filme no fodendo Louvre vazio e apenas para o casal famoso. Era uma escala altíssima a partir de agora. Parecia que ao expor sua música, precisava-se não apenas da letra mas que as pessoas entendessem pelo visual também.

A música em si só não impacta mais tanto quanto antes. Mas agora se o clipe for interpretado de um jeito errado, as coisas começam a complicar pro artista. E é o que aconteceu no clipe Música da Mãe do artista nacional Djonga.




No começo do seu videoclipe, o artista começa chutando um garoto branco em que, supostamente, estava tomando seu lugar no começo do clipe. O clipe continua denunciando problemas graves sociais enquanto o MC apenas é visto sendo fotografado, tentando mostrar crimes muito maiores do que cantar e falar mal do "sistema" e no desfecho do clipe, apenas ele é preso. Mas não é sobre todas as críticas que o vídeo está sendo mal visto pelo público.

Uma parcela dos visualizadores estão reclamando do chute do garoto branco no começo do vídeo e depois ficando apenas as pessoas negras e dos xingamentos da polícia nos créditos do vídeo. E foi sobre isso do que gostei que vídeos assim são sensíveis de se produzirem. Ao mesmo tempo que pode comover multidões, pode criar uma briga de quem tá certo e quem tá errado, tirando totalmente a visão do artista de todo o resto.

Me falem do que vocês acham sobre esses videoclipes recentes e também sobre o que acham desse videoclipe e desse formato novo de fazer músicas "dedos na ferida".

Eu não acho que eu colocaria esses dois clipes numa categoria "Pós This is America". Acho que o clipe é recente demais ainda pra julgar isso. Parece que faz bastante tempo, mas faz pouco mais de três meses que ele saiu. No caso de clipes como APESHIT, tenho certeza que eles já estavam em produção e planejamento faz muito mais tempo.

Sobre a influência que tu mencionou, eu enxergo essa onda de clipes com conteúdo de crítica social mais "dedo na ferida". É como uma expressão mais despreocupada e niilista da mesma força que sempre impulsionou o rap, já passado o momento no qual tinha-se algo a perder, com os sonhos e metas de auto-realização antigos dissipados e tendo sobrado uma entrega à depressão e/ou apatia, gerando clipes com mais cenas de choque, mais flertes com a morte, etc. Basicamente, o momento de "dedo na ferida" já passou, nada mudou, e agora a ferida já apodreceu, espalhou, e o que sobrou foi uma nova realidade morto-viva que não é realista nem tentar esconder.(E importante sempre lembrar que isso é algo diretamente derivado da experiência negro-americana e sua evolução na era da mídia social).

E justamente, acho que This is America é uma expressão dessa mesma onda, mas que devido à "embalagem", conseguiu atravessar certas barreiras e conseguir popularidade e repercussão muito acima do público que já estava consumindo a mídia desse nicho cultural. Na minha opinião, o que faz o clipe se destacar é o nível de qualidade de produção. O Donald Glover é um ator e diretor, afinal. O clipe é uma obra de arte maior do que a música em si, e consegue atingir perfeitamente os objetivos de:
1 - Chocar.
2 - Virar meme.
3 - ???
4 - Ser impossível de ignorar a mensagem.

Por mais bem executado que seja, eu acho que pra realmente começar a definir o impacto que esse clipe pode ter tido na cultura pop, vai levar um pouco mais de tempo ainda. Acho provável que no fim do ano vão ter algumas retrospectivas sobre esse clipe, fico curioso pra ver como ele vai ser lembrado.

Eu concordo com ambos e já me explico.

Não acredito que os dois pontos de vista sejam divergentes, pois pelo que pude entender Tomate fala do aspecto Rap x Cultura Pop quando aponta o "This Is America" como grande divisor de águas. O clipe choca e instiga a audiência a entender (decifrar) sua mensagem e leva a outro patamar a possível sensibilidade do público frente a produção rap. Como Tarin disse o rap cansou de só ser realista e direto, não só por cansar de falar pra ninguém (pois o público relativiza, diminui ou ignora as possíveis mensagens e realidades ali retratadas), mas também há uma natural mudança de tom, forma e abordagens com o passar de gerações. Sempre há movimentos de simplificação e de complexificação de qualquer objeto artístico.

Ambos clipes internacionais não conversam diretamente. Não tem temas exatamente parecidos, mas provém de um movimento provavelmente em comum, que não se retém apenas ao universo do rap, mas nele estamos tratando agora. Sem querer analisar os dois clipes agora me detenho a dizer apenas que "This Is America", mais pelo momentum (sua antecedência; por vir antes), foi o que criou o "novo grau de apreciação" da Cultura Popular para com o universo Rap.

Chego então a parte brasileira com Djonga citado acima. O rap brasileiro sempre foi comprometido às raízes de falar da realidade, do que é periférico e que não era levado a sério, marginalizado. Assim como qualquer gênero mundial acompanhou tendências internacionais, criando suas vertentes de trap, por exemplo, da ostentação, mas sempre com suas exclusividades: o Racionais falava do mundo do crime paulista, não generalizando pro "gangsta" simplesmente - de fato falava de situações que só o Brasil produzia. Djonga está dialogando com a realidade do Rap do Brasil, mas seu clipe também está em sintonia que as mudanças da cultura popular global tem dialogado. É o exercício de ler, compreender e reproduzir sua versão (ou criar novas a partir dessas tendencias). O Trap do Rincon Sapiencia (também citado aqui no Anomalia Zero) é diferente do trap do sul dos EUA.

O momentum de This Is America talvez tenha criado um parâmetro de "crítica" ou "expectativas" não só com produções do rap, como produções de clipes e também uma "profundidade" do artista produtor. Veja, tais coisas já existiam com diferentes valores dentro da comunidade de criadores e consumidores de rap, só que ninguém ligava. Essa galera 2017-2018 está mudando a "cara" do rap, reafirmando sua importância e solidificando a pluralidade e as infinitas possibilidades que o gênero sempre teve, sempre buscou discutir.

Spoiler:

Quando disse sobre a influência foi como uma forma de criar conteúdo no rap onde antes já existia um bom conteúdo mas foi elevado para um patamar acima depois de TIA.

This is America não tem apenas uma mensagem fortíssima no clipe em si, mas também tem mensagens ocultas em que as pessoas ficavam caçando easter-egg e vendo o vídeo repetidas e repetidas vezes. Por uma semana, mais ou menos, foram sendo descobertas novas coisas. Não que o clipe do Djonga possa ser comparado com TIA, longe disso, mas há também uma tentativa em que algumas coisas não fiquem em primeiro plano na tela mas sim em terceiro plano.

Clipes dedos na ferida sempre existiram, mas não como TIA e a influência do mesmo não demora tanto pra ser sentida quanto em outras mídias, por exemplo. Clipes geralmente demoram cerca de duas semanas. Talvez, clipes mais ensaiados assim seja um trabalho duradouro de um mês e pouco. Mas é a diferença entre cada um deles, notoriamente. Parece bastante uma "resposta" a cada clipe, não uma resposta ruim mas sim uma que começa uma qualidade maior nos clipes tanto nacionais quanto internacionais.

@Zé Joelho
Sim, entendi o que tu quis dizer nesse sentido. Que o clipe serve como uma ponte do rap pra uma cultura pop maior, sendo um ponto de efusão importante nessa transição. Eu entendo essa perspectiva, e realmente concordo que possa acontecer. Mas nesse caso específico, eu não estou enxergando os exemplos. Não estou vendo os efeitos dessa influência ainda. Cultura pop é algo muito grande e caótico, e acho que pra algo ser visto como um divisor de águas nesse sentido, ou a influência tem que ser tão grande e imediata que é inegável, ou é algo que é aceito em retrospecto. A TIA(que sigla engraçada, lol) meio que veio e foi... Já está quase fora dos top 500 clipes do youtube, o que é uma queda um pouco drástica pra uma música popular só com 3 meses.

@Tomate

Concordo que alguns aspectos estilísticos ou técnicos do vídeo podem realmente ser facilmente apontados como influencias. Como isso que tu disse de ter eventos acontecendo em plano de fundo. Ou a combinação de violência extrema com comédia besteirol que gera uma impressão grotesca no clipe.

Eu acho que não entendi o que tu quis dizer no último parágrafo, tu pode explicar de novo? Como assim uma resposta?