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Propriedade Intelectual: Os esforços de uma velha

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Mensagem por Zé Joelho Qua 01 Ago 2018, 17:18

Como consumimos música e outros objetos culturais

Em um debate no meu curso de Produção Cultural na UFF (Niterói-RJ) nos deparamos com algo muito simples e que nos rodeia todos os dias e que, como futuros profissionais, nós graduandos precisamos saber mexer: Propriedades. Sim, um dos pilares do capitalismo não tem essa importância atoa; para tudo - desde camarim, equipamentos, locações até artistas, marcas e música - se tem um processo burocrático e uma negociação comercial. Em uma das palestras na faculdade entendemos como é feito hoje na indústria de música (que vou tomar de exemplo)
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Pequena explicação simplificada e rápida

O modelo atual de "gerenciamento" da produção musical tem início no fim dos anos 60 e se solidifica nos 70 e 80 praticamente nos Estados Unidos. Naquelas épocas o músico poderia produzir música a vontade, porém para lançar discos e tocar nas rádios era (e em muitos casos ainda é) obrigatório assinar com alguma gravadora que iria não só dar um equipamento de gravação, mas também "controlavam" o que as rádios tocariam. Além da questão de visibilidade - e é aí que entra a maior questão de todas - veio a proteção do produtor. Essa proteção seria para o artista continuar produzindo sem medo de cópias, além da Produtora de Música conseguir recolher o investimento.

Quais os problemas?

O argumento de proteção serve mais para a indústria que para o artista. Se você não assinou com nenhuma produtora e tem qualquer registro que fora você quem produziu uma música, a produtora pode simplesmente fazer igual e ainda te processar por copiar seu produto.
Nos anos 70 e início dos 80 os artistas passaram por uma concentração de poder nas gravadoras, pois as mesmas perceberam seu poder de controle e barganha e aumentaram a dependência de qualquer produção musical passar pelas mãos da indústria. Quem decide de processa ou não, quem vai reproduzir a música do artista ou não, era a Produtora e não o artista que fez a música.
Isso mudou um pouco, mas na grande maioria das vezes ainda é assim. Houveram empresas que ficaram mestres em adquirir os Direitos sob a música e ganhar dinheiro mais com os processos que com criação de novas músicas em si.

Como funciona isso de propriedade?

Essa é a parte complicada. Veja: Música é de fato uma construção sonora com uma ordem e, pensando em autoria, uma identidade original, porém ela só sobrevive enquanto está acontecendo/tocando. Música que não está sendo tocada é apenas dado ou uma "receita". O maior problema é que por mais tecnológico que fiquemos, nosso ouvido é limitado e a variedade de sons, timbres e ritmos, também. É um número enorme, porém com a enorme produção, já fora explorada, reinventada; novos gêneros nascem, morrem e ganham novas abordagens. Como se controla isso?
Existem processos (principalmente na época do surgimento do Hip-hop) por um músico utilizar 4 segundos ou menos de uma outra música de gravadora: Uma bateria ou teclado.
Entenda: Ninguém pode ser dono da nota "Dó" - ela sozinha não configura "música" no meio comum. Uma sequência de notas e tempos fazem milhões músicas. O rap mesmo já se utilizou e se utiliza de misturar diversos trechos, pequenos ou grande, de outras músicas diversas e ficar totalmente diferente.

Quando você compra um CD ou uma faixa de música na internet você está comprando o direito de reprodução. Ou seja, os dados que você baixou ou que estão contidos no CD são uma cópia para venda de reprodução. Você tem o direito de tocar a música alta na sua casa com aqueles poréns que ainda não pesquisei (quem tiver mais informações sobre, por favor sinta-se a vontade de ajudar esse post).
Esses dados no Cd ou na internet são uma gravação de um evento (controlado no caso) quando se tocou a música e ela foi gravada. Ou seja, os instrumentistas e músicos em geral que estão na gravação, seja na parte de captação (manejar a mesa de som, por exemplo), seja tocando um instrumento (sendo da banda ou não) e editando esse com depois. Todos os envolvidos tem um crédito negociável - sempre tem de haver o reconhecimento de participação, mas não é obrigatório que se ganhe dinheiro por esse motivo (claro que todos devem ser pagos por seus trabalhos, porém no caso não é necessariamente por aqui que será o pagamento).
Os artistas que criaram a música tem propriedade sobre o objeto "música" em sua fórmula, não sempre o objeto "música" como algo estrito deles. A produtora por exemplo é que diz quem pode tocar a música, onde e em que contexto.

Outros problemas e áreas

Propriedade Intelectual é quase que uma contradição. Propriedade seria algo particular seu; porém ninguém pode ser dono de uma ideia. Pode até ser a ideia mais original do planeta, da história, porém você é mortal e a ideia sempre fomenta e conecta outras ideias e está em constante conversa com seu meio. É difícil demais defender esse tipo de propriedade. Há diversos filmes super semelhantes, músicas parecidas (até dentro da mesma produtora ou do mesmo artista), há gêneros inteiros dedicados a referencias (como filmes geeks, séries de heróis e assim vai) ou dedicado a refletir sobre os gêneros em si como a Charge, Sátira ou Paródias.
Mesmo um escritor não é dono da ordem em que coloca as palavras, muito menos é o primeiro a fazer de tal forma.
Propriedade Intelectual da Universidades, por exemplo, tem uma questão sim de proteger o investimento em conhecimento, porém isso também atrasa a troca de informações, acesso de outras pessoas (só os preços de livros de faculdade já são indício).
Memes são praticamente a reinterpretação de outras objetos culturais em um novo.

Agora a maior questão que quero deixar aqui: É realmente necessária a Propriedade Intelectual? Se não, de que forma uma pessoa que produz informação/cultura/arte se manterá? Não é uma questão - também - cultural?

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Zé Joelho
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Mensagem por Thear Qua 01 Ago 2018, 22:18

Eu suponho que pôs o Temer memetizado no final por causa dos recentes debates na Europa sobre memes infringindo propriedade intelectual?

E o titulo do texto... É uma referencia ao fato de que a Disney vive fazendo lobby nos EUA pra atrasar a entrada do Mickey em domínio público (que, se não for atrasada de novo, será em 2024), ou não tem nada a ver e eu não entendi o titulo?


Acho bom trazer a tona que propriedade intelectual tem duas funções original principais. A primeira tu já mencionou: garantir que o autor consiga lucrar de seus esforços por um tempo.
A segunda é bem menos mencionada em discussões sobre o assunto: garantir a diversidade da produção cultural. Por exemplo, lembra como estávamos vendo "Minions" em todo canto no mundo após os primeiros filmes de "Meu Malvado Favorito"? Imaginem quantos mais minions veríamos se todas as pessoas e empresas do mundo tivesse direito de usar minions livremente em seus produtos e criações.


Abordando as duas de uma vez... Esta bem claro ao meu ver que as leis atuais protegem propriedade intelectual por tempo demais.
Considerem quantos jogos, séries e livros interessantes existem por aí usando conteúdo de H.P. Lovecraft (ok, tem muito lixo também). Até a Marvel tem uma versão interna de Ctchulhu. Mas não é como se existisse um excesso frustrante disso na produção cultural mundial. Provavelmente a maioria das pessoas nunca nem ouviu falar de Ctchulhu ou Lovecraft. O Mito de Ctchulhu esta em domínio público já faz muito tempo.
Por outro lado... "Senhor dos Anéis" ainda não esta. E apenas em anos recentes, com os jogos licenciados da série "Shadow of Mordor" que novas estórias foram criadas se passando na Terra Média... Não sei, talvez tenham existido outros projetos menores. Mas com certeza é o primeiro conteúdo original baseado em Tolkien e com altos valores de produção. E o resultado não é lá muito bom. Fãs de Tolkien tiveram que esperar muitas décadas (ou morreram) para ver conteúdo realmente inédito do mundo que tanto gostavam. E isso só aconteceu porque gente com dinheiro pagou pra fazer isso. Talvez alguém com ideias muito melhores nunca teria esse chance por não poder pagar os custos da licença.
Resumindo... Não é como se todo trabalho baseado em obras alheias fosse problemático. Existem benefícios para a produção cultural no domínio público.

Mas claro, se o tempo até o domínio público for muito curto, existirão outros problemas. O autor pode não conseguir se beneficiar de seus esforços ou perder controle de sua própria criação muito rápido.. Franquias com grande apelo a crianças podem morrer por se tornar impossível lucrar com brinquedos, etc.
Uma ideia comum é que os direitos devem durar até a morte do autor... mas conforme a expectativas de vida aumenta, isso acaba se tornando tempo demais. Se o Mickey tivesse sido criado em 2018, existiria a chance de levar mais tempo ate o autor morrer do que o período de 1924-2024 que esta previsto no momento. Sim, soa ridículo, mas querem realmente duvidar da idade que humanos poderiam estar alcançando em 2118?

Minha proposta então é que a propriedade intelectual, em qualquer mídia, deva durar tempo suficiente para que a propriedade em questão saia do centro das atenções da cultura (caso tenha chegado nele), e também gerar um bom tempo de lucros para seu criador. Mas não tanto tempo que a propriedade em questão seja esquecida pela sociedade. Estou pensando então em... Uma geração. O que dá algo entre 25 e 30 ou 32 anos. A morte do autor ou extinção da empresa que criou a propriedade em conjunto não importaria, portanto.

Ou seja, em 30 anos eu espero estar assistindo uma terceira série de "Avatar" em algum serviço de streaming.
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Mensagem por Zé Joelho Qui 09 Ago 2018, 19:55

Eu suponho que pôs o Temer memetizado no final por causa dos recentes debates na Europa sobre memes infringindo propriedade intelectual?

E o titulo do texto... É uma referencia ao fato de que a Disney vive fazendo lobby nos EUA pra atrasar a entrada do Mickey em domínio público (que, se não for atrasada de novo, será em 2024), ou não tem nada a ver e eu não entendi o titulo?

Livre interpretação para ambas as perguntas...
Na verdade ambas estão corretas na medida que "velha" seria a industria cultural e bem, a Disney virou grande parte dessa industria e é uma das mais agressivas.

Eu não consigo entrar num consenso pessoal quanto a quanto tempo deva ficar apenas na mão do autor e explico: Cada vez mais a cultura tem ficado mais dinâmica e ideologicamente "localizada" (num sentido histórico, num sentido de contexto). Crepúsculo era uma fanfic, estória escrita por fãs de alguma história ou franquia, e com devidas alterações virou sua própria franquia. Nesse exemplo temos duas faces que serão meu próximo questionamento:

1. Como você disse, Thear, a exaustão de um objeto cultural pode acabar com ele bem mais rápido. Quando eu digo acabar é que perca seu "valor" quanto algo que a pessoa se identifique e se expresse ou consuma (que cada vez mais hoje em dia uma coisa está se entrelaçando a outra). Porém a exploração dos fãs desse mesmo objeto pode ser algo ótimo como uma reflexão e reinterpretação do objeto em diversas outras realidades e narrativas, afim de deixar plural a identificação do objeto com possíveis meios; algo como a Marvel e a DC fazem quanto a universos/realidades paralelos(as).
O Capitão América atual talvez não seja em nada parecido com o original, pois os EUA não são os mesmos. Tanto o desejo de se manter o personagem ativo quanto o desejo de esquecer ele são expressões de valores e mentalidades espaço-temporais.
Morte do autor e da imprensa que constroem a mítica do objeto: O quanto o autor expresso exatamente o que pensava e o quanto o imaginário dos expectadores entendeu/interpretou? Quem está mais correto quanto ao objeto? Normalmente seria a maioria, por uma questão de entendimento comum, porém e quando a maioria não entende ou não aceita uma visão? O quanto o autor tem que morrer e o quanto o autor tem de continuar a controlar o objeto? A partir do momento que o objeto intelectual é materializado ou transportado pro campo social, o campo comum, o objeto não é mais de propriedade do autor, apenas sua posse.

2. Nas eleições Americanas de 2016, o agora eleito Donaldo Trumpete utilizou músicas do Queen para aparições em discursos. A banda Queen que por seu prestígio conseguiu manter controle de suas propriedades musicais vetou e, além do candidato parar de usar as músicas, foi obrigado a pagar uma multa. A banda, no caso, não quis seu material atrelado a uma ideologia/mensagem que não concordava. Caso venha a perder essa propriedade, no futuro, um candidato Fascista e racista branco, por exemplo aleatório, pode usar músicas compostas por músicos negros cantando sobre orgulho e liberdade.
Inclusive isso é uma das disputas e conscientizações que ocorrem hoje em dia e são mal compreendidas: Apropriação. Não vou entrar em toda a história do mundo agora, porém o resumo é que por vezes o grupo dominante (brancos, homens e héteros cristãos) primeiramente subjulgou e menosprezou expressões populares de grupos dominados (por força nem sempre apenas física, porém institucional, mistica social e pelo medo - por vezes religioso) e, em um processo de troca cultural, acabara aceitando tais expressões quando reproduzidas e modificadas por agentes do grupo dominante. Resumindo tudo: bate, depois faz igual e finge que é original e superior. Acabando com qualquer crédito aos grupos originais e minando cada vez mais qualquer construção e caracterização de um grupo étnico-cultural e assim reforçando uma hierarquia construída forçadamente.
Com esse resuminho de dua histórias: Como manter uma linha ou trilha do criador com a criação? Quando apagar isso( se é que deve-se apagar e por quais razões)? Quais os direitos o criador tem com a relação de seu objeto com seu meio cultural?

Porque há o outro lado também: Quando é censura e quando é proteção?
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Mensagem por Thear Sex 10 Ago 2018, 00:30

Crepúsculo era fanfic? Não é "50 Tons de Cinza" que começou como fanfic de Crepúsculo? Ou Crepúsculo começou como fanfic também?

Zé Joelho escreveu:"Caso venha a perder essa propriedade, no futuro, um candidato Fascista e racista branco, por exemplo aleatório, pode usar músicas compostas por músicos negros cantando sobre orgulho e liberdade."

Infelizmente, o que poderemos fazer sobre isso é apenas criticar. Não vejo como fazer mais que isso se abalar não apenas conceitos de propriedade intelectual, como também de liberdade de expressão. Constantemente políticos republicanos são criticados por usar a musica "Born in the USA" de Bruce Springsteen, que é uma musica que critica os EUA, mas os republicanos à utilizam de maneira patriótica, orgulhosa.



E, nossa. Que perguntas difíceis tu faz. Acho que, sobre a linha do criador ate a criação, não há muito o que fazer alem de esperar que o público seja relativamente bem informado sobre a cultura que o entretêm. Existem muitos canais no youtube dedicados a exploração de fandoms específicos... mas no fim é difícil evitar que certas pessoas questionem os esforços recentes da Marvel pela representatividade mesmo que a Marvel tenha feito questão de tratar de temas políticos em toda a sua história.

Sobre o controle do criador sobre seu objeto na cultura... Novamente, não muito que ele possa fazer alem de definir o tom das coisas e manter proximidade de seus fãs, para ajudar a guiar as tendencias entre eles. Mas nada que os criadores de My Little Poney fizessem poderia ter evitado as massivas quantidades de pornografia inspirada no show que foi espalhada pela internet.

Quando é censura e quando é proteção?
Tem muito mais nuance do que vou dizer, mas... Acho que o uso não paródico; não opinativo; não analítico; não documentativo e com fins lucrativos da propriedade intelectual alheia deve ser sempre autorizado. Ou seja "fair use". Mas sabemos como fair use é complicado hoje em dia.
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