Amerigo Vespucci e a Importância dos Nomes das Coisas

Em que rua você mora?
No, wait... melhor não responder essa pergunta na internet.

Não precisa responder então. Faça esse exercício sozinho.
Aposto que sua rua tem o nome de uma pessoa. Se não tiver, no Brasil você é minoria. Se não for uma pessoa obvia e muito famosa, pesquise no google o nome da rua. Veja se consegue descobrir quem raios é o sujeito. Novamente, se você consegue, é minoria. O mais provável é que só encontre resultados no google referentes a rua em si... ou ate à outras ruas com o mesmo nome em outras cidades.
Isso é uma grande frustração que tenho. Se algo é nomeado para homenagear alguém, quão bem sucedida é essa homenagem se eu não consigo facilmente identifica-la? Claro... imagino que posso ir atrás de documentos na câmara de vereadores da minha cidade ou algo assim pra descobrir algo a respeito... ou no arquivo histórico, sei lá. Mas deveria ser fácil.

Eu entendo que, na época que essa prática de nomenclaturas começou, não era possível fazer muito a respeito disso. Mas hoje seria possível. Não daria tanto trabalho a qualquer município ir atrás dessas informações e pública-las na internet... ou ate colocar plaquinhas explicativas em cada rua se os índices de vandalismo não forem muito altos e tiver uma graninha sobrando em partes do orçamento. Acho importante que as pessoas sempre saibam quem seus governos estão homenageando.

Na real, isso trás a tona várias homenagens desconfortáveis que existem por aí. Muitas ruas e rodovias nomeadas em homenagem a políticos corruptos, ou ditadores. Entre a Republica da Espada, o Estado Novo e o Regime Militar, o Brasil teve muitos ditadores, e todos eles tem várias ruas, bairros e até cidades em seus nomes.  Em muitos casos nem percebemos, já que nem todos esses caras são tão lembrados hoje em dia... mas mesmo quando percebemos, não realmente ligamos, certo? São só ruas, ou cidades pouco importantes, certo?

Hmm... Não sei. A capital de Santa Catarina, "Florianópolis", foi renomeada (costumava ser "Desterro") em homenagem ao então (um tanto brutal) presidente Floriano Peixoto. E a nomeação foi essencialmente um insulto... a população da cidade defendia o retorno da monarquia, e detestava Floriano, tendo participado de revoltas contra a república. A renomeação foi feita logo após soldados da republica executarem sem julgamento centenas de habitantes da cidade que estariam envolvidos nas revoltas. O evento é conhecido como "Chacina de Anhatomirim".

Ok, esse caso é especialmente desagradável. Mas faz pensar se realmente é "ok" nomearmos qualquer coisa a partir de figuras polemicas só porque estamos pessoalmente distantes das atrocidades que eles cometeram. Céus, a "Colômbia" é nomeada a partir de Cristóvão Colombo, que iniciou o processo de opressão e genocídio dos nativo-americanos.

O que vocês acham? Claro que essa questão de nomear coisas a partir de pessoas polemicas vai ser "cada caso é um caso", e não da pra generalizar. Ate porque, todo mundo é um pouco polemico. Mas quais fatores devem ser considerados? Por exemplo... o tempo em que a pessoa viveu torna as atrocidades dela mais aceitáveis no que se refere a homenageá-la com uma rua, cidade ou país?


Por isso gosto quando ruas e etc tem outros nomes. Em Joinville tem um bairro no qual a maioria das ruas tem nome de planetas, constelações, estrelas, etc. Melhores nomes de rua que já vi.
Imaginem o nível da herança de memória que estamos dando a Amerigo Vespucci ao chamar um continente inteiro de "América"... e considere que, talvez estejamos despreocupadamente dando heranças de memória muito maiores ao nomear planetas ou até mesmo galaxias a partir de pessoas!

Nomear ruas a partir de corpos celestes se destaca atualmente, enquanto nomear galaxias inteiras a partir de pessoas parece algo casual e pouco importante... Mas num hipotético futuro muito distante, talvez essas galaxias tenham inúmeras colonias humanas, ou algo do tipo... e é claro que nesse caso seus habitantes vão provavelmente mudar o nome da galaxia... mas provavelmente estará sempre registrado que "a galaxia X é uma das 4 que foram nomeadas para homenagear algum astrofísico aleatório que viveu por 40 anos na Terra 20 mil anos atrás".

Eu acho muito importante que as pessoas sejam lembradas.. me incomoda a ideia que a existência de um humano seja eventualmente completamente esquecida pela história... mas eu definitivamente me incomodaria se vivesse numa dessas galaxias hipotéticas no futuro distante.

No momento, posso me contentar que Amerigo Vespucci não foi um sujeito particularmente polemico... Mas talvez devamos considerar renomear o continente "Westeros" ou algo do tipo?

Nossa, um assunto cabeludo.
Em Nova York lembro-me que as ruas e avenidas são numeradas e isso talvez já elimine um pouco o problema. Como você falou, as perspectivas de mundo, valores e ética, mudam com o tempo, com os grupos. A República Romana ou a Democracia Grega não eram lá... Republicanos e democratas. Até os partidos políticos Norte-Americanos mudaram de nome um com o outro que até hoje causam confusões.

Norte Americanos

Américo o descobridor? Moradores da América mais ao Norte como México, EUA e Canadá? Norte pra quem?

Até mesmo o senso de direção e cartografia tem influências ideológicas antigas, e com elas as nomeações. Nome dá identidade, memória e também trabalha valores, como aspirações (as homenagens que você citou)

Eu só consigo pensar "Apenas mude o nome das coisas". A história é cheia de renomeações. Obras públicas então vivem mudando de nome (pelo menos aqui no Estado do RJ).

Concordo com seu ponto sobre a importância (ou a falta de importância) de entender essas homenagens e a continuidade dessas memórias. No Brasil escolhemos preservar muitas palavras indígenas e com elas nomes também, muitos. E como tratamos a identidade nativa? Além do dia do índio que são tratados com esteriótipo completo e algumas religiões (e setores) que tratam como seres super passivos e sem peso de escolha de nada, o que resta?

Tomar seu açaí gelado e o refrigerante de guaraná? Uma rede de mercados?
Gostei do texto e vale a reflexão quanto a identidade "nacional" (ou étnica e geográfica)

Então, ruas numeradas também me desagradam. Acho que por nome às coisas adiciona personalidade ao mundo real. Mas é realmente complicado tentar nomear milhares de ruas em cada cidade sem usar um monte de nomes aleatórios.


Talvez ruas ser nomeadas a partir de referências culturais ou cientificas mesmo. Nomes de corpos celestes... nomes de pássaros ou árvores, referências a obras literárias ou de qualquer outra mídia... De preferência um misto saudável de referências as culturas dos povos antepassados recentes dos habitantes atuais da região e também as culturas nativas; e também referências à cultura contemporânea. Seria interessante caminhar por uma rua daqui a 200 anos e ter uma vaga ideia da idade dela de acordo com o nome dela, pois ele estaria associado a algum aspecto cultural forte na época que a rua foi nomeada.

Sobre renomear tudo... Da pra ir mais longe que os ditadores que mencionei. Tem milhões de coisas (inclusive alguns estados), com nome de santos no Brasil. o Brasil tem forte presença do catolicismo em sua historia, claro... mas talvez devêssemos começar a mudar alguns desses... não tanto pra apagar os vestígios de uma história que ainda é recente, mas o bastante pra refletir melhor o país atual.

O país ainda é muito religioso, seria difícil. Sei que colocaram nomes de ditadores e pessoas que hoje julgamos como indignas de uma memória diária, e talvez uma reflexão junto as comunidades que às vivem já podem ajudar na renomeação. Porém, as questões religiosas? Eu iria pra outro lado: primeiro uma maior participação de outras religiões e uma discussão sobre aceitação (substituindo pessoas não tão relevantes ou de caráter negativo), e daí sim, muito à frente, tentar mudanças do religioso para o mundano ou científico.
Complicado pois as instituições de produção e renovação de conhecimento já não tinham tanta atenção de alas públicas ou privadas (que não fossem lucrativas, nesse caso), e hoje vivem ainda uma luta contra a desconfiança fomentada pela ignorância e o extremismo dos bipolos políticos e ideológicos.

Queria morar no bairro Churros

Nomes de ruas são horríveis, e tenho certeza que eu lembraria muito mais das ruas da minha cidade se elas tivessem nomes como Rua Floresta Encantada ou Rua do sapateiro de 93 e coisas assim em vez de políticos genericos.

Olhem aí, a lista de todas as ruas em que já morei:

Rua Santos
Rua Abdon Batista
Rua XV de Novembro
Rua Machado de Assis
Av. Santos Dumont
Rua do Príncipe
Rua Santos
Rua Tenente Antônio João
Av. Luíz Xavier
Av. Anita Garibaldi

A única que eu gostava era a Rua do Príncipe, porque era vaga mais ainda memorável. Rua Santos é super generica e eu morei lá duas vezes!

Honestamente não acho que nomes de coisas grandes como galáxias, etc. tendo homenagens de coisas mundanas ou moralmente repreensivas são qualquer preocupação. Nomes não querem dizer nada, são palavras que vão adquirindo significado ao longo do tempo conforme as coisas as quais são associados. A única coisa que os moradores da galáxia Hitler vão pensar do nome é que era um nome relevante à nomeação da galáxia na época, mas que no presente é um lugar bem legal e diver, e tal. Mesmo que seja renomeada, a história do nome se mantem, de qualquer maneira. O nome é relevante só pro momento. A tarefa de resignificar e reconstruir a linguagem fica pro futuro.

Bairro Churros é excelente.

Tarin, meu problema principal com os nomes é que existem opções mais legais. O fato de um dos bairros de Joinville se chamar "Costa e Silva", homenageando um ditador, é desagradável... Mas se torna ainda mais desagradável sabendo que poderia ter um nome mais lúdico e surrealista, como "Bairro Churros".

Acho que isso vale todo um tópico próprio. Essa coisa de adicionar humor e surrealismo em coisas tipicamente formais do dia a dia. Acho que a humanidade deve lentamente avançar e buscar uma era "pós-formalidade".