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Crítica Pop : Lorde - Melodrama

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Mensagem por Tarin Qua 19 Jul 2017, 21:41

Crítica Pop : Lorde - Melodrama Melodr10


Era 2013, quando a música pop estava entrando em uma transição do puro pop "chiclete" do começo dos anos 2010. A despreocupação casual da música daquela época, focada em festas e clubes, mensagens positivas e simplicidade estava começando a perder o apelo, e abrindo espaço para uma despreocupação um pouco mais narcisista e introspectiva que viria nos próximos anos e vista como trilha sonora da "cultura instagram". Essa é uma simplificação grande da situação, mas eu acho que no contexto do pop no qual a Lorde opera, essa passagem específica é importante pra entender o vácuo de atenção que fez que ela surgisse como uma anomalia extremamante visível com seu primeiro álbum, Pure Heroine. O seu som minimalista e suas letras focadas em sentimentos adolescentes suburbanos, retratados com uma percepção aguda e uma ironia fina, fez com que ela parecesse estar à frente da curva de um jeito notável.

Independentemente da música, a posição dela como a "garota real" em comparação com artistas como Miley Cyrus e Katy Perry foi o que definiu muito da sua imagem pública na época. O sucesso de "Royals" foi interpretado como uma mensagem de rejeição a uma cultura de excessos. Em várias entrevistas, a própria Lorde expressou críticas a outros artistas contemporâneos. Porem, conforme sua fama foi aumentando e as suas conquistas se acumulando, ela passou a se aproximar de elementos da cultura pop aos quais previamente era colocada como contraponto, o que acabou virando tópico de publicações sobre ela na época. Mesmo ignorando o circo da mídia, pairava a dúvida. Quais tópicos ela iria abordar com o segundo álbum? Existia um risco de ser vista como inaltêntica ao tentar abordar os mesmos temas de vida suburbana do primeiro álbum. Por outro lado, se tentasse relatar as experiências da nova vida como celebridade, poderia ser associada àquilo que supostamente estava atacando no passado.

O que faz Melodrama funcionar dentro desse contexto, é que assim como no primeiro álbum,  a música continua falando nas linguagens universais de alienação social e sentimento puro. Mas diferente do primeiro, toma um rumo mais introspectivo e abstrato, usando experiências pessoais como ponto de partida para explorar sentimentos, sem elaborar realmente as situações pelas quais está passando.

Segundo a Lorde, Melodrama é "meio que um álbum conceitual relatando uma festa". Algumas músicas tratam literalmente desse tema, como Homemade Dynamite e Sober. Mas no geral, a música é um relato do fluxo de pensamentos que passa pela cabeça da Lorde durante as experiências que essa festa teria trazido. A ideia da festa parece ser uma metáfora, como um meio de transmitir um relato das sensações e pensamentos trazidos pelas experiências novas que ela vem passando, através do estado de evolução insana, constante, alucinógena e empoderante que é a transição para a vida adulta. A sensação que essas músicas me passam é a de estar entrando num estado de embriaguez, mas ainda tentando se manter perceptivo do que está acontecendo ao redor, saindo de um estado ativo de distinção de experiências e entrando num estado de alta reação aos acontecimentos ao redor, como um fluxo de sensações que entram diretamente no seu cérebro sem passar pelas barreiras comuns.

Finalmente falando da música em si, o álbum é uma mistura de elementos mais tradicionais pra ela e novos elementos "puro pop", aparentes em músicas como Supercut e Perfect Places. As músicas nem sempre seguem estruturas tradicionais, e várias seções causam um estranhamento à primeira escutada. Alguns elementos tradicionais da música pop são subvertidos, como o final instrumental de The Louvre que dura por um minuto, em vez de terminar com um grande refrão. Ou a alternância de fundos musicais em Green Light, que faz a música ter uma impressão um pouco atordoante e surreal.

Algo que chamou bastante minha atenção no álbum foram as músicas de piano. Como mencionei no começo, acho que Lorde sempre foi conhecida por ter um estilo mais contido e minimalista em comparação com os seus pares, usando sons mais discretos e batidas mais esparsas. Mas tanto em termos de imagem como de música, eu sempre via ela como uma artista que tinha uma certa paixão pelo artifício em sua essência. Ou seja, que ela sempre trazia um elemento que ia contra o método esperado ou consagrado, mesmo quando cantava sobre temas relativamente simples e universais (não que eu veja isso como algo negativo, muito pelo contrário!). Isso é subvertido nesse álbum pelos seus elementos mais pop tradicionais, como já mencionado, mas principalmente tambem por exemplos como Liability, uma música composta apenas por vocais e acompanhamento de piano. A ausência de uma camada extra de som faz com que ela soe mais reveladora e íntima, mesmo percorrendo temas já familiares no trabalho anterior dela, de alienação social e busca de conforto na auto-suficiência.

Por outro lado, Writer in the Dark, quem sabe a minha música preferida no álbum, também tem como base uma harmonia de piano, mas em contraste à posição mais distante e auto-preservacionista na qual ela se coloca em Liability, nessa música ela entra por completo no (melo)drama de um relacionamento com um término ruim e da sua posição como uma escritora, que pode conseguir uma vingança sutil imortalizando seus sentimentos nas suas músicas. Ela canta o refrão com uma voz estridente e torturada, com frases exageradas como "I love till my breathing stops, I love till you call the cops on me!". A intensidade com que ela canta a música exige a atenção do ouvinte, mesmo cantando a capella.

Pra mim, esse é o momento mais "pop" do álbum. Nessa música, ela se entrega completamente à fantasia de uma versão idealizada e superficial dela mesma, mas que ainda é totalmente autêntica ao que ela está sentindo. O que define um artista pop, em minha opinião, é essa capacidade de viver seus lados não revelados através de máscaras, fantasias. Fantasias essas que nos foram semeadas pela cultura pop e cultivadas até virar algo inerentemente nosso, mas ainda uma linguagem comum através da qual nos comunicamos uns com os outros.

Link pro álbum no Spotify


Última edição por Tarin em Qui 20 Jul 2017, 22:04, editado 1 vez(es) (Motivo da edição : Erros gramaticais)
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Crítica Pop : Lorde - Melodrama Empty Re: Crítica Pop : Lorde - Melodrama

Mensagem por Thear Qui 20 Jul 2017, 21:42

Ok. Isso foi bem mais denso do que eu esperava. Eu não imaginaria que dava pra falar tanto de um album de musica pop, eheh.

E foi mais interessante do que eu esperava também, eu geralmente evito prestar atenção em musica pop, não me interessa e geralmente tenho uma aversão ao "genero", mas Lorde sempre me chamou atenção, e esse texto, especialmente devido a toda a contextualização que trouxe, me deixou mais interessado ainda. Talvez eu vá ouvir o album, afinal...

E isso é outra coisa. Eu não costumo ouvir álbuns. Céus, eu raramente ouço "artistas", quase sempre preferindo ouvir playlists misturando um monte de coisas diferentes... Mas claro que entendo como músicas em conjunto (albuns), podem funcionar em termos de expressão artistica. É uma grande expressão do momento do artista, no geral. La por 2011 eu tinha o habito de ouvir discografias inteiras de artistas, album por album, muitas vezes cada um, tentando criar uma coletanea ideal das músicas daquele artista... Talvez volte a tentar fazer isso, especialmente para aproveitar e reparar no "momento" que cada álbum mostre.
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